Porto Extravaganza 2018 (5ª Edição) – Parte 1

Palácio de Seteais, Sintra

Parte1: Ricardo Diogo e os Vinhos Velhos da Madeira

Sintra. Lugar mítico e simbólico. Não poderia ser mais apropriado para um evento como este.
Partimos de Lisboa de comboio. E poderão vocês perguntar: porquê de comboio? Pois, sigam o seguinte raciocínio: vamos provar vinhos singulares, rarissímos, fantásticos… Por isso, a probabilidade de cuspirmos ou deixármos no copo é pequena… Assim sendo:

  • Os nossos amigos da GNR devem saber da existência do evento, e podem-nos fazer uma espera pouco simpática…
  • E, ainda mais importante, já sabe: Se conduzir não beba!!!

O comboio termina a sua jornada no meio da povoação. O tempo não permite um passeio agradável a pé até ao local do evento. Temos de apanhar um táxi, e assim chegamos a um dos lugares míticos, desta mítica cidade: O Palácio de Seteais.
Paulo Cruz, como é sabido, é um excelente e simpático anfitrião. Cumprimenta todos os convivas que vão chegando e avisa que, antes da prova começar, há um Champagne no piso inferior para “limpar o palato”.
Encontramos várias caras conhecidas de outras provas. Chegámos cedo, mas a sala já está pronta para receber o evento. Descemos então ao piso de baixo para visualizar a recente “Sala Colares”, dedicada a essa região DOC, e onde estão expostas várias garrafas destes vinhos.
Entretanto, conversa puxa conversa, e o Champagne começa a chamar por nós na varanda. Um agradável Champagne Mailly Grand Cru Brut Réserve, com muita maçã verde no aroma, seco na boca, média bolha e globalmente muito interessante.

E estamos prontos para começar. Subimos de novo em direcção à bela sala que nos vai acolher. Não há lugares marcados, e a lotação está esgotada, pelo que acabámos por não ficar todos juntos.
Depois de todos sentados, o meu parceiro do lado constata: “ É pá!… Isto é mesmo coisa de gajo…”. De facto, dos 50 privilegiados só contamos 4 mulheres…

Paulo Cruz dá o arranque ao evento, dizendo entre outras coisas que esta prova, a primeira de Vinho Madeira no Porto Extravaganza, é algo de único, e talvez só comparável à excelência da prova que ocorreu no 1º Extravaganza (em 2001), com Porto Quinta do Noval Vintage Nacional.
As expectativas estão altas, e Ricardo Diogo de Freitas toma a palavra. E de facto, cedo compreendemos que não vamos ter só uma Prova de Madeiras. Vamos ter também uma aula de História. Não fosse Ricardo Diogo professor de História, profissão que pouco exerceu, pois “mergulhou de frente” no Vinho Madeira, na empresa dos seus antepassados, a Barbeito. Pouco depois de entrar na empresa deixou de vender vinho a granel (1991) e começou a focar-se nos seus vinhos engarrafados. Vejamos um excerto do texto da brochura referente à prova, da autoria de Gustavo Roseira:
“… Uma vez que não tinha qualquer formação técnica em que se pudesse apoiar, mas também não a tinha para lhe formatar as ideias, desenvolveu várias experiências fruto da sua intuição e aprendizagem diárias para dar aos vinhos uma nova alma e um cunho muito pessoal… dando ênfase a uma maior frescura e pureza, criando vinhos com mais acidez e menos doçura que a maioria… Põe em prática novas ideias a cada vindima, desde apanhar as uvas em distintas fases de maturação para obter diferentes níveis de acidez, explorar vários timings na paragem da fermentação para conseguir diferentes doçuras, até mover barricas entre os seus diversos armazéns para tirar partido das suas diferentes condições de envelhecimento. Tudo para anos mais tarde, em conjunto com stocks antigos adquiridos ainda pelo avô, ter o maior número de instrumentos possível para compor a sua sinfonia…”

E na sua introdução à prova, Ricardo Diogo diz algumas coisas importantes:
Primeiro, que “ nem todos os vinhos velhos da Madeira são bons!!!…” E que até haverá hoje na prova um deles, de que ele não gosta nada!!!…
Depois, que dos 13 vinhos em prova (eram para ser 12, mas ele enganou-se e trouxe mais um) só 1 é que foi feito por ele (por sinal o mais novo, um frasqueria de 1957). Por isso, “está à vontade…”.
Refere também que a ordem da prova tem a ver com o carácter dos vinhos, e não com a sua idade. Tentou adaptar da melhor maneira possível a sequência e as transições.
E vamos então à prova:

Os Vinhos:

// TERRANTEZ 1870 COLECÇÃO MANUELA VASCONCELOS

Já diz o ditado: “Se tens uvas Terrantez, não as comas nem as dês”. É uma casta delicada, com a qual Ricardo Diogo não tem trabalhado muito, e portanto “tem pouca experiência”. A vindima de 1870 foi muito pequena, mas apesar disso foi boa, embora melhor para a casta Sercial.
O aroma a iodo e a farmácia é intensíssimo, notando-se a sua antiguidade. Na boca é intenso, não muito untuoso, e surpreendentemente seco, com acidez final brutal, tornando-o um pouco agressivo. Ricardo Diogo diz-nos que antigamente os vinhos Terrantez eram assim secos, e só posteriormente passaram mais para o lado do meio doce.
O vinho pertencia á mãe de Ricardo, que na década de 80 o terá passado de garrafa para garrafão. E aí entramos em outra das teorias (e práticas) de Ricardo Diogo: Ele acha que os vinhos após x tempo em pipa, devem passar para garrafão, e só depois serem engarrafados. Ficam assim mais macios, mais elegantes…
Classificação: 18v

// BOAL 1957 VINHOS BARBEITO

Engarrafado em 1991. Uma das primeiras experiências de Ricardo Diogo no engarrafamento de um frasqueira. Proveniente da única vinha que o avô teve num terreno seco “ O Caniço”, plantada nos anos 40. Foi uma colheita em que o Boal foi a melhor casta.
Aroma adocicado, na boca é muito equilibrado, suave e muito agradável, com final prolongado.
Classificação: 18v

// SERCIAL 1910 COLECÇÃO MÁRIO BARBEITO

Vindima muito boa, com excelentes vinhos de Verdelho, Boal e Sercial. Esteve em pipos de 600l em local quente, durante tempo demais, na opinião de Ricardo Diogo. Daí a sua concentração excessiva. Aroma muito intenso, adocicado. Ataque de boca agradável, mas depois amarga no final, com acidez também elevada. Trata-se de um vinho intenso mas pouco elegante. Ricardo Diogo tem a teoria de que os melhores Vinhos Madeira, são aqueles que ficam 50-60 anos no máximo em pipa, e depois passam para garrafão ou são engarrafados. Este vinho é um exemplo: seria muito melhor se tivesse sido engarrafado mais cedo…
Classificação: 17.5v

// SERCIAL 1891 ARAUJO DE BARROS

O Boal foi a melhor casta desta vindima. Este é o vinho que Ricardo Diogo disse na introdução da prova que não gostava. Aroma pouco intenso. Na boca também é pouco intenso, pouco sabor e tem uma acidez demasiada. É um vinho extra-seco: deixaram a fermentação ir até ao fim, e não foi fortificado imediatamente. Este é um exemplo que ilustara a frase de Ricardo Diogo: Nem todos os vinhos velhos da Madeira são bons.
Classificação: 15

// VERDELHO 1900 JBF JOSEFH FERNANDES

Um ano de vinhos muito finos. Este tem uma cor mais carregada que os anteriores. Foi engarrafado há 5 anos por Francisco Albuquerque. Não sabemos quanto tempo esteve em garrafão. Aroma adocicado. Na boca é saborosissimo, muito equilibrado, com uma acidez no ponto. Muito bem.
Classificação:18,5v

// VERDELHO 1885 COLECÇÃO MÁRIO BARBEITO

Vindima muito pequena. O vinho envelheceu em tonel de 1000l, mas que esteve a estagiar em local muito frio. Passou para garrafão em 2008. Cor carregada, aroma muito iodado, muito cheio na boca, menos doce que o anterior, final prolongado e acidez no ponto. Grande vinho. Um dos melhores da prova.
Classificação: 18.5v

// BOAL VELHÍSSSIMO + 150 ANOS

Um vinho de origem particular, que a mãe de Ricardo Diogo tinha, e feito de uvas de uma zona da Madeira que costuma originar grandes vinhos de Boal: O Campanário. Aroma pouco intenso e evoluído. Na boca não tem muito corpo, nota-se a evolução, e tem uma acidez talvez excessiva. Ricardo Diogo chama outra vez a atenção para isto: uma coisa são os vinhos de empresa e outra coisa são os vinhos particulares; neste caso, muitas vezes, não têm ao longo do tempo, pessoas formadas que vão acompanhando a sua evolução e as suas necessidades… Este vinho esteve em pipa muito tempo, e envelheceu demasiado…
Classificação: 16,5v

// BOAL 1868 FAVILLA/RR

Vindima muito pequena, com o Boal a ser excepcional neste ano. As uvas são provenientes de Câmara de Lobos e S. Martinho. Aroma muito agradável; na boca não é muito encorpado, nem o final é muito longo. Revela pouca concentração, ao contrário de outros anteriores… Globalmente é muito agradável, mas, digamos que é ligeiramente “deslavado”.
Classificação: 17.5v

// MALVASIA 1901 FRANCISCO FERNANDES

E passamos para as Malvasias. Não existe informação acerca desta vindima. Aroma intenso e evoluído. Encorpado, intenso, com acidez em demasia no final… final que é prolongado. Não é um vinho muito equilibrado, mas dá muito prazer beber.
Classificação: 18v

// MALVASIA 1864 FAVILLA/RR

Vindima pequena, com Boal e Malvasia a brilharem. Muito intenso no aroma. Também intenso na boca, equilibrado, embora talvez (também) com demasiada acidez no final. Esteve mais de 50 anos em garrafão. E isso dá-lhe características únicas. Este foi um dos vinhos mais elogiados por Ricardo Diogo ao longo desta prova, tendo aproveitado também para elogiar o trabalho feito pelo Engenheiro Favilla em prol do Vinho Madeira.
Classificação: 18v

// MALVASIA 1860 COLECÇÃO MANUELA VASCONCELOS

O vinho mais antigo em prova. Passou da pipa para garrafão (onde esteve mais de 50 anos) e só depois para 19 garrafas, em Maio de 2017. Aroma muito bem. Na boca intenso e muito agradável. Revela delicadeza e complexidade notáveis. Acidez final exuberante. Um dos melhores vinhos da prova.
Classificação: 18.5v

// TINTA NEGRA 1954 FAZENDA DO RIBEIRO REAL

E assim chegamos a mais um dos cavalos de batalha de Ricardo Diogo: A Tinta Negra faz vinhos tão bons ou melhores que as outras castas. O engenheiro Francisco Favilla tinha a mesma opinião. A Fazenda do Ribeiro Real: trata-se de um terreno de 12 hectares na zona de Câmara de Lobos. Este vinho foi engarrafado directamente das pipas em 1997. Estagiou em armazéns no Funchal, onde as temperaturas são elevadas. Daí a sua concentração. É muito doce, mas a sua acidez final contrabalança as características anteriores, tornando o vinho muito agradável.
Classificação: 18v

// TINTA NEGRA 1950 FAZENDA DO RIBEIRO REAL

Foi uma vindima que deu vinhos muito delicados (especialmente o Sercial). Este vinho também foi engarrafado em 1997, directamente dos pipos. Cor muito mais carregada que o anterior. Aroma intensíssimo a mel, iodo e mar. Muito espesso, doce, com acidez brutal no final. Sem dúvida que a Tinta Negra consegue fazer vinhos maravilhosos.
Classificação: 18v

E assim termina esta Prova singular e magnífica do primeiro dia do Porto Extravaganza 2018. Só relembrar alguns aspectos que Ricardo Diogo não se cansou de salientar:

  • Nem todos os vinhos velhos da Madeira são obrigatoriamente bons…
  • O ideal é estagiar o vinho até 50 anos em pipas, depois passá-lo para garrafão, e finalmente (após tempo variável) engarrafá-lo…
  • A acidez e a frescura são características fulcrais no Vinho Madeira…
  • Os vinhos particulares, estiveram/estão mais sujeitos à agruras do tempo…
    pois muitas vezes, não tiveram ninguém especializado, ao longo do tempo, para os acompanhar… ao contrário do que acontece aos vinhos de uma companhia vínicola, em que os seus enólogos estão sempre em cima do acontecimento…
  • Todas as castas podem dar grandes Vinhos Madeira… Inclusivé a Tinta Negra…
  • O Vinho Madeira é o melhor vinho do mundo!!…

E pronto meus caros. Agora, o Porto Extravaganza continua no Bar do Binho. Cada um dos convivas vai levar uma garrafa de vinho especial da sua garrafeira particular. Paulo Cruz providencia uns petiscos. E haverá também rock&roll… E amanhã será outro dia… com Moscatel de Setúbal…
É assim, em Sintra, no Porto Extravaganza de Paulo Cruz…

P.F. w4p (MAR 2018)