O Vinho Madeira

Vinhos Madeira

O Vinho Madeira é o melhor vinho do Mundo! Há poucos anos atrás, nunca pensei dizer esta frase. Mas a convivência com o Sr. João Quintela (da Garrafeira Néctar das Avenidas) acabou por dar nisto. E, na verdade, estou-lhe bastante grato!

Mas esta rubrica não é nenhum artigo de opinião. De modo que, o objectivo é, muito resumidamente, de forma a não ser maçador, dizer: tudo aquilo que você precisa de saber acerca do Vinho da Madeira!

O Vinho Madeira é um vinho licoroso e fortificado (com álcool vínico) que é produzido e engarrafado na Ilha da Madeira. Esta ilha apresenta um clima subtropical e solos de origem vulcânica. Mas existem vários terroirs, consoante a localização das vinhas. Por exemplo, as uvas provenientes de vinhas mais próximas do mar, poderão dar origem a um vinho com carácter mais salino e iodado. Independentemente do terroir, a acidez é a característica marcante destes vinhos, o que lhes proporciona uma grande longevidade em garrafa.

Sendo habitualmente um vinho monocasta, importa conhecer as castas mais frequentes e nobres, sendo que isso tem também grande influência na categorização do Vinho Madeira em:

. Seco
. Meio-seco
. Meio-doce
. Doce

Na verdade, esta relação entre casta e tipo de vinho tem a ver essencialmente com 3 factores: a tradição, determinadas características da casta, e, essencialmente, o momento em que se interrompe a fermentação.

Eis as castas mais típicas do Vinho Madeira:

. Sercial
. Verdelho
. Terrantez
. Boal
. Malvasia
. Tinta Negra

O Sercial, provavelmente proveniente da região de Bucelas, origina os vinhos mais secos e ácidos da ilha, e por isso fermenta quase até ao fim e requer normalmente mais estágio.

O Verdelho, provavelmente trazido do Norte do continente, origina vinhos meio-secos. É uma das castas com maior área de plantação na ilha, em especial na costa Norte.

O Terrantez é uma casta que foi “abandonada” após a praga da filoxera, por ser muito pouco produtiva e muito sensível à podridão. Recentemente, tem vindo a ser novamente plantada (especialmente nas baixas altitudes), pois consegue produzir vinhos de características notáveis. Os vinhos de Terrantez estão normalmente entre o meio-seco do Verdelho e o meio-doce do Boal (embora isso dependa sempre de vários factores, e por isso, seja um pouco variável).

O Boal (ou Bual) é a Malvasia fina do continente. Encontra-se essencialmente na costa sul da ilha, é muito produtiva e amadurece cedo. Produz vinhos com notas de frutos secos e especiarias, em estilo meio-doce.

A Malvasia é a casta que produz os vinhos Madeira mais doces. Gosta de sol e calor e não de altitude.

A Tinta Negra é, como o nome indica, uma casta tinta. É muito produtiva e representa cerca de 80% de todo o vinho produzido na ilha. Foi (e é) desde há muito utilizada para fazer os vinhos Madeira de baixa gama. Mas, tendo em conta a sua versatilidade e as suas características únicas, estão cada vez mais a surgir no mercado vinhos de Tinta Negra de alta qualidade. Dependendo de vários factores (altitude, região, exposição solar,…, e, claro, a duração da fermentação), podemos ter vinhos mais secos ou mais doces.

Mas então, como é que se faz o Vinho Madeira??

Para começar, referir que, devido à geografia e relevo da ilha, a vindima é muito trabalhosa e prolongada, coma as uvas a serem todas colhidas à mão.

Depois de chegadas as uvas à adega, procede-se à selecção das mesmas, e iniciam-se os procedimentos habituais na produção de vinho, sendo que o engaço é habitualmente desperdiçado. Depois, consoante a casta, o estilo de vinho pretendido, e as técnicas e segredos de cada enólogo, usam-se diferentes processos de vinificação. A maceração é normalmente utilizada nas castas brancas, enquanto na Tinta Negra, apenas quando se quer produzir um vinho doce ou meio-doce.  A curtimenta poderá ser usada na Tinta Negra, Boal e Malvasia, mas normalmente não no Sercial e no Verdelho…

Durante a fermentação, atingido o grau de doçura pretendido, efectua-se a fortificação, adicionando álcool vinico ao mosto, o que tem como consequência a paragem do processo fermentativo. Um vinho mais doce pode ser fortificado logo após 24h; da mesma maneira, um vinho seco pode fermentar até 1 semana. O grau alcoólico final varia entre os 17 e os 22% vol.

Depois, o envelhecimento, faz-se através de 2 processos alternativos:

. Estufagem
. Canteiro

O aquecimento do vinho (processo exclusivo do vinho Madeira) durante o envelhecimento, tem origem na época dos descobrimentos: Os navios levavam barris de vinho para a India, e por vezes regressavam com algum barril intacto, tendo-se constatado que o vinho estava muito melhor. Este facto foi atribuído às temperaturas tropicais a que o navio era sujeito durante a viagem. Posteriormente, e uma vez que embarcar vinho se tratava de uma prática dispendiosa, surgiu o processo de canteiro. Ainda mais tarde, com o aumento da procura, e com a necessidade de abastecer os mercados mais rapidamente, surge o processo de estufagem.

A estufagem é um processo sobretudo usado para a elaboração de vinhos baixa gama, normalmente de uvas da casta Tinta Negra. Uma vez fortificados, os vinhos são colocados em depósitos (“estufas”), sendo depois aquecidos a temperaturas que chegam aos 45 graus C, durante um período de 4 meses, após o que são estabilizados em cubas/balseiros de madeira durante 2 anos.

Todos os vintage ou frasqueira (topo de gama dos vinhos Madeira) são envelhecidos pelo processo de canteiro, nome que deriva do conjunto de traves de madeira que suportam as pipas (normalmente de carvalho americano) onde envelhece o vinho ao longo de vários anos. Os armazéns possuem vários pisos, sendo que no andar superior estão os vinhos mais novos, que vão beneficiar mais do calor, e no inferior os vinhos mais velhos e prontos a engarrafar. Os barris não estão 100% cheios, o que permite que o vinho esteja em contacto com o ar, daí resultando uma lenta e gradual oxidação. A evaporação faz perder até 3% do volume do vinho por ano, mas é o enólogo que decide quando transferir o casco para local mais fresco de forma a controlar a perda de volume. Os canteiros, tradicionalmente, encontram-se nas cotas mais baixas da ilha (no Funchal p.e.) onde o calor se faz mais sentir. Mas nem todos. Por exemplo, nos vinhos Barbeito, existe um canteiro que foi construído à cota de 600m… Isto porque esta empresa prefere temperaturas mais frescas, de forma a que os vinhos evoluam mais lentamente.

E assim se chega ao característico bouquet dos vinhos Madeira: notas de frutos secos, frutos cristalizados, especiarias, frescura e salinidade, e notas iodadas. E na boca, aquela acidez viva…

Resta referir os vários tipos de Vinho Madeira existentes:

. Vinhos sem referência a idade
. Vinhos com indicação de idade (Vinhos de lote)
. Vinhos datados: Colheitas e Vintages (ou Frasqueiras)

Os primeiros são os vinhos correntes, baixa gama, a maior parte à base de Tinta Negra.

Os vinhos com indicação de idade, são vinhos de lote, tal como os Vinhos do Porto Tawny com indicação de idade. Dependem da mestria e dos segredos dos enólogos, de forma a combinar vários vinhos, uns mais jovens, outros mais antigos. As indicações de idade nos vinhos Madeira são: 3 anos, 5 anos, 10 anos, 15 anos, 20 anos, 30 anos, 40 anos e também 50 anos.

Nos vinhos datados (ano da colheita), existem 2 sub-categorias: Colheitas e Vintages.

Os Colheitas ou Single Harvest ou Baby Vintage, são uma categoria relativamente recente, tendo aparecido já no século XXI. São vinhos de uma colheita excepcional, que envelhecem entre 5 e 18 anos em casco, antes de serem engarrafados. É um grupo de vinhos mais em conta que os frasqueiras, e em que se encontram grandes surpresas em termos de relação qualidade/preço.

Os Vintages ou Frasqueiras envelhecem em casco por um período mínimo de 20 anos. São la crême de la crême dos Vinhos Madeira. Tal como a selecção inicial do vinho, e a sua análise períodica ao longo dos anos, a data do engarrafamento é uma decisão do enólogo. Não existe um período máximo de envelhecimento.

Finalmente: como guardar e como beber um Madeira???

Os Vinhos Madeiras devem ser guardados na posição vertical, sem exposição à luz solar, e a uma temperatura mais fresca que a ambiente. Sâo vinhos que são engarrafados quando estão já prontos a beber, pelo que raramente melhoram com o passar dos anos.

Os frasqueiras mais velhos devem ser decantados, e abertos algum tempo antes de serem bebidos: de preferência devem ser deixados a respirar um dia por cada 10 anos em garrafa. Depois de aberto, o Vinho Madeira tem também a característica de durar muitos meses com as características mais ou menos inalteradas, desde que a garrafa seja convenientemente guardada.

As temperaturas sugeridas para degustar o vinho variam consoante o tipo: 12 graus para os secos e meio-secos e 16 graus para os doces e meio-doces.

E quando beber um Madeira??? Sempre!!!… Vai bem com tudo!!!… Como aperitivo (mais os secos e meio-secos), como acompanhante de sobremesas, e até como acompanhantes da refeição!!! Neste último caso, especialmente os secos e meio-secos. Seja sushi (é melhor um sercial), queijo (um verdelho por exemplo), saladas (um sercial talvez), peixes ou carnes (sercial, verdelho ou terrantez), fruta (um boal), chocolate negro (malvasia), doce de ovos (boal ou malvasia)…

Para terminar, referir as actuais marcas/companhias produtoras de Vinho Madeira:

. Barbeito
. Blandy`s
. H.M. Borges
. Henriques & Henriques
. D’ Oliveiras

As primeiras duas são talvez as marcas mais conceituadas, e isso reflete-se no preço dos vinhos. Nas outras marcas é talvez onde encontramos as melhores relações qualidade/preço.

Não esqueçam: Vinho Madeira… Sempre!!!!

P.F. (NOV 2017)