Chitas Reserva Velho 1992

Jan 16, 2020 | Reliquia, Vinho

Portugal
Lisboa
Vinho Tinto
António Bernardino Paulo da Silva
Ramisco
1992
11% vol.

 Comprei esta garrafa numa oportunidade inesperada, no Algarve, no último Verão. Numa loja de souvenirs, com uma secção de “garrafeira”. Junto com ela, estavam uma série de outros vinhos velhos, clássicos, guardados em pé, num espaço não climatizado… no calor do Algarve! Desconfiei, claro, mas como não teria oportunidade de lá voltar tão cedo, e os preços até eram simpáticos, decidi arriscar. Comprei uma série de garrafas à peça e fui abrindo algumas: na maior parte era óbvio que as más condições de guarda tinham já feito marcar a sua presença. Esta garrafa de Colares era uma das últimas dessa remessa que me faltava abrir e estava já de pé há umas semanas para estar pronta para ser aberta e decantada à primeira oportunidade. E, uma quarta-feira à noite, em que após duras negociações com “la famiglia”, consegui um livre-conduto para jantar semanalmente com os amigos, inesperadamente liga-me o João, grande apreciador de relíquias, para irmos jantar juntos e apreciar uns vinhos. Pensei para mim: “Nem é tarde, nem é cedo: é já!”. E lá vou eu, armado de Colares, para o restaurante. A caminho, lembrei-me: “Esta garrafa é de 1992! Como vamos sacar a rolha? Eu esqueci-me do meu saca de pinças!”. Felizmente, o João ainda não tinha saído de casa quando lhe liguei a pedir para trazer o seu Durand, o melhor saca-rolhas do Mundo (para quem abre garrafas antigas com frequência – junta o melhor dos sacas de rosca ao dos sacas de pinças – podem consultar em http://www.thedurand.com).

 

Assim que cheguei, pusemos logo o Durand a trabalhar, mas até nem teria sido necessário: apesar de o vinho estar a fazer quase 30 anos de idade, a rolha parecia nova, de tal forma que o som que se libertava enquanto eu metia a rosca na rolha fez o João, com o seu singelo humor alentejano, “aventar” que até “fazia lembrar um portão de uma quinta a abrir”, de tanto que ela rangia! E a rolha, de facto, estava como nova – vejam as fotos! Terá sido a garrafa re-rolhada recentemente, antes da introdução do vinho no mercado? Quiçá…

  Passando (finalmente!) ao vinho: decantado com preceito (a decantação deste vinho parece-me útil, mas não fundamental: tem pouco depósito e os aromas desagradáveis de encarceramento na garrafa por mais de duas décadas desaparecem rapidamente) mostrava uma cor algures entre, digamos, o vermelho atijolado e o… tijolo avermelhado, mas limpo e brilhante – bonito! 

  O nariz mostrava inicialmente notas “duras”, como aromas animais, de couro, e químicos, como borracha e apetrolados. Este lado mais agreste não desagrada completamente mas, no decantador, o aroma rapidamente fica mais limpo, com as notas primárias (ainda!) de fruta vermelha e de especiarias como pimenta preta e canela (?!?) a ganhar protagonismo. Mais para a frente, começam a notar-se os aromas de madeira velha (como exemplo cedro, que lhe confere um cariz balsâmico) e cogumelos/bosque/terra húmida. 

  No palato, uma característica que imediatamente chama a atenção é que o vinho é verdadeiramente salgado, muito para lá do que se possa entender como salinidade ou mineralidade, o que lhe confere um pendor fortemente gastronómico. Com efeito, este tinto acompanhou com galhardia uma imponente posta de bacalhau assada no forno, a acidez *no ponto* a contribuir para a boa harmonização. Para além da forte sensação salina, interessam ainda sabores pungentes de carne fresca/sangue/ferrugem, inicialmente, que também se vão desvanecendo à medida que o vinho vai respirando. Ainda no palato, uma palavra para os taninos, que ainda fazem marcar a sua presença, se não pela intensidade, pelo menos pelo seu timbre verde, rugoso e zangado, com que contribuem para a sensação de juventude intemporal destes vinhos de Colares. Parece-me importante não baixar demasiado a temperatura, para que a rudeza dos taninos não se torne intrusiva.

  Outra agradável característica é o facto de ter apenas 11% de álcool, o que permitiu que nós apreciássemos alegremente o vinho, e que ele também tenha passado tranquilamente por nós sem deixar grandes marcas…

  Para terminar, queria salientar a capacidade de envelhecimento dos vinhos de Colares, aguentando até as condições mais difíceis, sabe-se durante quanto tempo… 

  É óbvio que vou procurar mais garrafas destas na loja de souvenirs, na oportunidade mais próxima. Mas como seguramente já lá deve haver poucas, não direi exactamente em que sítio comprei esta, não vá alguém adiantar-se… Mas deixo uma pista: a tal loja fica para os lados da Galé. E mais, não digo!…

Preço: N/D

G. P. (JAN-2020)

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